sexta-feira, maio 20, 2011

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Andei três quadras. Era começo da noite. A cidade me pertencia. Eu não tinha pressa. Os carros passavam. Muitos carros. Pequenas prisões cotidianas. Eu caminhava. Olhava o concreto, as flores, o vento. A calçada estava vazia. Ao lado, pessoas corriam no parque. Pela  grade, eu imaginava que essas mesmas pessoas chegaram naquele lugar com os seus carros  e, provavelmente elas jamais tivessem experimentado o ato de atravessar quadras. Cortar todos os quadrados. Entender a sua amplitude, as árvores tortas. Para elas, apenas o parque. Como se só ali fosse o lugar apropriado o verbo caminhar. Do apartamento para o carro, do carro para trabalho, do trabalho pro carro, do carro pro apartamento. Com direito a uma pequena pausa para exercitar as pernas no parque. Naquele momento, eu caminhava sozinha na rua. Espécie de contravenção escancarada. Os pés marginais insistentes. Quantos passos eu já tinha dado naquelas quadras? Fotografias no fim da Asa Norte. Um passado bem aproveitado. Amigos perdidos. No meu peito existia o desejo de transformar o desvio em um novo hábito. Os meus passos coloriam a cidade. Queria pintar o Plano Piloto. Desligar o carro. Ir na padaria à pé. Aquela sensação de felicidade explícita. De reencontrar o seu lugar no mundo. Enquanto eu caminhava, Brasília sorria. 

Um comentário:

Habitante disse...

Quando caminho a noite pelas quadras, o vazio me pega pelo sentimento e me leva e me faz atravesar os portais pelotis da nossa era. A noite todos somos suspeitos de algum crime que ainda vai acontecer que ainda não cometemos, mas vamos. Súbito meu pensamento, vazio como espaço, é atravessado pelo canto estridente dos morcegos. A noite nas super quadras eu tenho mais medo dos morcegos que de ladrões. O ladrão sou eu, o temido, o que anda a noite, o que as pessoas desviam. Mas o morcego me suga.
Boa noite, Zé.
Agora estou salvo no elevador.