sábado, maio 31, 2008

Era cedo, era sábado.



" Demasiado, demasiado esforço. Imaginou a cidade lá fora, com gentes falando sempre alto demais, sem parar entrando e saindo dos lugares, bebendo, comendo coisas, pagando contas, dançando alucinadamente, querendo ser felizes antes da segunda-feira: urgente."

Caio Fernando Abreu




Era cedo, nem oito horas da noite. Noite de sábado. Mais uma de tantas que já foram e tantas que virão. Aquele dia que a única coisa que queríamos é ficar bem servida na cama, em companhia de um bom filme do Bertolucci e com mãos habilidosas debaixo dos lençóis. Talvez alguns arranhões nas costas e mordidas na nunca também seriam providenciais para noites como essas. Tinha nojo de sair nas noites de sábado. Sempre os mesmos bares, esbarrando com as mesmas pessoas, a mesma babaquice de sempre. " Oi, meu amor! Como você tá? " - responderia com um sorriso falso e com uma vontade imensa de trucidar a voz chata que incomodava. Como ficar bem nesse mundo torto e sem graça? Ir para alguma festa num dia desses é um verdadeiro atestado de burrice, essa cidade está repleta de moleques por todos os lados que parecem brotar de chocadeiras histéricas. Não, não é só porque era sábado que daria o trabalho de tentar caçar inutilmente numa floresta vazia. Preferia ficar com seus autores favoritos. Quem sabe fumar unzinho pra relaxar. Ou se masturbar até o corpo dizer chega e depois olhar para lado e encontrar a cama vazia. O seu vazio de costume. Era cedo, nem oito horas da noite. Daqui a pouco o telefone ia começar a pipocar ligações que buscavam informações de qual seria a boa de hoje, ou o que ela iria fazer nessa noite estrelada. Ou pior, algum ex-qualquer-coisa querendo relembrar os velhos tempos. Ela não era dessas pessoas que costumam olhar pra trás. Preferia ficar onde estava: enrolada no seu edredom preto, nua, sozinha e bem despenteada. Estava cansada de passar maquiagem nas olheiras das noites perdidas, de olhar para a multidão faminta, de ser a mulher bonita e interessante da maravilhosa noite de sábado. Desgraça! Porque não passamos da sexta-feira direto para o domingo? Na verdade, isso pouco importava nesse momento. Domingo ou sábado, sabia que o vazio seria o mesmo. O vazio que não passava nunca, que impedia de se adaptar essa cidade, a esse país, a essa vida. Porque pra ela não era tão fácil como para os outros? Porque esse romantismo babaca de historia infantil? Porque ela, como uma mulher moderna e inteligente, não podia dar uma boa trepada com qualquer um - dos milhões que correm atrás dela - e esquecer de tudo em seguida? Porque esse vazio insistia em corroer seu peito, fazendo se sentir a criatura mais sozinha e infeliz da noite de sábado? Não era excesso de moralismo católico ou de novelas clichês. Mesmo porque, nunca tinha ido à igreja, a não ser de passagem, em casamentos e missas de sétimo dia. Mesmo assim, nunca se sentiu bem num lugar onde o pé direito era enorme e havia quadrinhos com cenas de torturas pregadas por todos os lados. Ela gostava do belo, mesmo esse seu belo sendo sempre muito peculiar. E quanto à televisão, odiava tudo que vinha daquele quadrado escroto: o som, a seqüência das imagens, o consumismo desvairado, as mocinhas, a solidão pré-anunciada. Era como se quando ligasse aquela maquina mortífera saísse de lá um manual da felicidade urbana instantânea: Compre, Case, Reze, Beba, Seja feliz. Definitivamente, a falta que sentia não era resultado do grande quantidade de merda desse nosso mundo. Essa falta vinha de outro lugar qualquer, um lugar escondido, perdido, obscuro. Um lugar que não existia nas noites de sábado. Mesmo assim, muitas vezes, em dias normais ou sábados estranhos, ela procurava uma solução para sua falta. Já tinha chegado muito perto de solucionar várias vezes. Chegava a visualizar a sua meta, direcionava o foco, apressava a sua mão e na hora h, no momento que tudo estava pronto a ser realizado e tinha uma enorme certeza que a solução estava ali bem próxima dos seus dedos, ela agarrava com um sorriso infantil algo tão exato como nada. E o que parecia cheio, rapidamente se extinguia. E ela, de novo, era preenchia daquele vazio intimo. O vazio que a impedia de ser igual aos outros, que impregnava seu belo rosto, que a visitava nas noites de sábado. Mas era cedo, nem oito horas da noite, e sábado sorria ironicamente para moça nua enrolada num edredom que esperava inutilmente agarrar algo.

11 comentários:

Anônimo disse...

Saturday is a bitch, Sunday is a useless fuck...And friday? Well, forget about Friday...Friday is Monday's lie...

Puta merda.

Estamos cercados.

-Capitão?!

-Hum?

-Cercados!

-Foda-se. Vamos fumar esse gramado todinho até o cú fazer bico.

Marcus Lotfi disse...

Às vezes é curto, às vezes é longo, mas é sempre literário. Lembrei agora do quanto eu tinha saudade de ler coisas assim. Beijos, está muito bom e atualize sempre!!!
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www.omilesimo.blogspot.com

Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Talvez a falta que ela sinta não seja mesmo desse mundo.E porque ela consegue,sem saber bem como,tocar um outro mundo,ela sofre quando volta pra esse tão diferente e contrário.Ela não está errada,apenas sente-se dividida. Porque as coisas daquele mundo,pertencem àquele mundo.Então ela sente falta, não das coisas daqui,mas sim do romance,da poesia,do que está além,enfim,da magia.Assim,ela tenta trazer um pouco daquele mundo,pra este,por meio da fantasia,da arte.Mas ela talvez tenha que trazer também pra ela tudo isso antes.Por isso,ela precisa aprender a se reencontrar com ela mesma,no ponto exato onde ela se perdeu nessa divisão,e conciliar os dois mundos num só:o dela.Para que ela se sinta finalmente completa,e não apenas duas metades vagando.E só ela pode fazer isso,porque a responsabilidade por este dom é toda dela.

Anônimo disse...

a DOR me ci
a DOR ando
o oDOR
D'OlhaR
que senti...

DOuRado
duraDOR
e do lado
que te vi...

"Era apenas uma vez"
E, de vez,
o que vi
viciou

E vim aqui, desta vez,
saciar meus desejos
entreabertos de Rey

Sou um biruta em Beirute
na disputa por ti

Mas também sou de outra
com maravilha e paixão

Eu disse tudo
para apenas perguntar:

Seria um erro errar?

Anônimo disse...

Que moça linda é essa
que escreve tantas coisas belas
que nem ela?

Mas que não lê nem responde
às babas e às palavras
lavradas em terras entreabertas

Repito portanto a pergunta:

Seria um erro errar???

Anônimo disse...

-Mas capitão?!

-que foi agora, por-ra...

-Jo soares suicidou, william bonner suicidou, xuxa enlouqueceu e o planeta se fodeu!

-é um bom começo.

-pra onde vamos, capitão?!

-pra terra do nunca mais.

-e onde fica?

-na esquina da terça com a quarta...tem um bar aberto até tarde... cheio de humanoides felizes.

-felizes, capitão?!

-Felizes, soldado, como a tua mãe quando viu essa tua cara de joelho pela primeira vez. Coisa de doido.

-não entendi, senhor!

-é que neste bar ninguém se enxerga, ninguém se vê. Aboliram a merda do julgamento...Que coisa mais incrível! Querem apenas ouvir a maravilha do coração redistribuir as cartas por todas as esquinas de uma escolha.

-interessante, senhor!

-você me deprime, soldado.

Anônimo disse...

comentando sem viajar...sábado no seu mundo pisciano, em busca do que fazer...ou melhor! alguem pra fazer com vc... do relento dos bares, a solidão do edredon... pior que isso só o domingo depre que só passa cultura inútil na TV... hehe

Hell disse...

O tal do vazio é uma música do sigur ros em um dia frio com o de hoje, com cabelos molhados e as olheiras fundas de tanto cansaço por não dormir. O vazio é tanta coisa. O vazio não cura com uma boa trepada sabe por que? O vazio quer é abraço de conchinha, quer um cheiro característico, quer ficar nu ao seu ladoo num dia de sábado assistindo filme ruim, filme bom. Na verdade o vazio quer é ser mimado e não comido. Mas ele nos engana. Finge que quer chocolate, que quer cerveja, que quer farra, que quer sexo. Mas não adianta. Ao fazermos isso ele sufoca e grita.
Daí dos gritos teclamos letras em sites como esse. Que é cheio de vazios que por aqui pelo menos, no meu vazio azul me complentam.