quinta-feira, outubro 20, 2011

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De novo aquela dor. Nem pra esquerda, nem pra direita. No mesmo lugar: o centro. Era o peito que doía. Deveria estar relacionada ao chacra cardíaco, a energia contida. Não era exotérico ou macumbeiro. Não sabia dessas coisas de almas, incensos, rezas e afins. Apenas sentia. Sentia muito. Aquele espaço ausente que ele tentava esvaziar ainda mais. Que dava pontadas em noites chuvosas, que aparecia à surdina para o jantar com a namorada, que o fazia chorar escondido. O centro coberto de passado. De fungos que deveriam ser arrancados pela sua mão, sem testemunhas oculares. Os desejos que se entranhavam nas paredes imaginárias daquele peito semi-aberto. Como desintoxicar um coração contaminado por um amor poluído? Perder um vício? Matar um câncer instalado? Os hábitos certificavam a loucura. Diariamente, ele procurava outros sinais. Uma palavra que ainda podia estar escrita no porão. Um som agudo que certificasse a agonia latente, desconcertante. Ele revisitava o centro para lembrar a felicidade. De quando desejava a morte pós-gozo, por saber que nada mais faria sentido depois daquele ato de transgressão e verdade. Quando se ama, pede-se a morte... diariamente. O corte derivava das escolhas. Das dúvidas imaturas. Do ímpeto do ponto final.  Ele sentia o desconforto. E de alguma forma, esse incômodo, o fazia sorrir. Aquela dorzinha que ele tentava limpar (inutilmente) era responsável pela esperança. Nem pra esquerda, nem  pra direita. Mas, no centro. Era lá, que ele matava a saudade, todos os dias.  

sexta-feira, outubro 14, 2011

domingo, outubro 09, 2011

pedaços de ipês brancos

Entrou sozinho no café. Escolheu a mesa de canto. Havia duas cadeiras. Afrouxou a gravata. Pediu uma garrafa de champanhe e o cardápio. Era quarta-feira. O garçom trouxe duas taças, mas serviu apenas uma. Costume de garçom: trazer duas taças quando se pede champanhe. Escolheu o melhor prato. Pediu o filé ao ponto pra mal. Gostava de jantar ali nas quartas-feiras. Passava três dias da semana na cidade requentada, e sempre as quartas, ele ia ao mesmo café. Era uma maneira de instalar a rotina em um lugar que não o acolhia tão bem. Um espaço íntimo no meio da ausência. Ele, o filé, o champanhe. E o garçom que sempre trazia a indelicada segunda taça. Era uma ironia em forma de deslize. Pouco importava. Depois de algumas separações, entendemos outros sabores na solidão.  Havia um lançamento de livro. O bistrô estava cheio. A autora devia ter menos da metade da sua idade. E os outros clientes também. Por pura simpatia, decidiu comprar o livro. Vinte reais. Era 25% do valor do champanhe. Literatura barata. “Seu nome?” – ela perguntou, entre sorrisos. Não respondeu. “Dedique a você”. Ela rabiscou três frases sinceras. Escritores captam as almas perdidas. Voltou para mesa. Comeu a última garfada. Leu as primeiras páginas. Chegou à página 33. Pediu um expresso com chantilly. É preciso adocicar ainda mais alguns encontros. Tomou, de forma delicada, o café. Escreveu um bilhete. Pediu a conta. Passou o cartão. Caminhou em direção do encontro. Entregou a sua poesia. Dispensou o taxi. Decidiu caminhar as três quadras. Havia tempo. E pedaços de ipês brancos.



não basta amar. É preciso por no facebook.

terça-feira, outubro 04, 2011

Silêncio de duas semanas para a passagem de um furacão


poéticas urbanas- by Diego Bresani


Lançamento, críticas, elogios, explicações, perguntas, entendimentos, entrevistas, sorrisos falsos, sorrisos verdadeiros, visita de Vó, prima, papagaio. Outras propostas de lançamento, necessidade de organização, orelha anônima, distribuição de livros, vendas, pensar no preço, entender a força do dinheiro, a necessidade dele. Será que para expandir a poesia é preciso ser burocrata? Escrever três FAC em quatro dias, fazer planilhas, pedir orçamento, encarar o salic web. Outra estréia. Poéticas Urbanas. Montagem e desmontagem em quatro cidades. Um gerador quase roubado. Força, coreografia, voz, equívocos, cortes, fazer de novo, oito vezes pra vê se fica bom, mais críticas, mais elogios, chão, concreto, assobios, uma mulher que grita e sangra. Maminha, picanha, alcatra. Ser considerada feminista. Eu? Julgamentos, análise, divã. Estamos sempre escrevendo a estória no nosso corpo. Chocolate, TPM, quereres. Festival de cinema. Abertura, filmes, luta diária. Encontro real com um desconhecido íntimo. Desejo de descobrir, de sentir o gosto, o cheiro. Entender a impossibilidade, o momento certo, a hora exata. Deixar para outro dia, quem sabe outra vida. Não julgar o sentimento do outro. Não se julgar em excesso. Passar dois dias inteiros na ebúrnea. Gritar a liberdade. Entender o preço dela. E clamar por uma companhia, pelo desejo sincero de uma construção, uma conversa profunda. Planejar as férias na argentina. Sozinha de novo. Ter medo do outro, de todos os outros. Mas querer de verdade o encontro. Ser piegas, mulherzinha. Entender a adolescência do Leminski, tomar um  petit gateau, comemorar a chuva, Brasília cinzenta, melancólica, com direito a café no final da tarde. A tristeza espalhada por todas as quadras. Escrever no blog. Há tanto a dizer. Queria ter postado o bilhete que recebi com uma crônica já imaginada. Não tenho tempo pra sentir, agora. Preciso de silêncio. De organização. De madrugada. Quando poderei respirar em paz? Planejamento financeiro, entrega de currículo. Quem sabe um curso novo? A mesma ideologia. Abraçar o mundo, egocêntrica e desesperada. Alugar um apê, comprar uma vitrola e dizer pra que veio. Depois clamar loucamente por outro furacão. Outro. E outro. Quantos forem necessários para que a vida ainda nos traga movimento e surpresa. É isso e mais monte de palavras.