quarta-feira, outubro 22, 2008

Duas latas de super 8 guardadas para o argumento ideal.

Enquanto meus tons pbs se espalham sobre a tela, eu revelo (apressadamente) partes de mim. Cama, telhado, vitrola. O meu quarto sempre escuro se exibe para camisa de listras dele. Engraçado, esse mundo regado a ervas e Stella Artóis. São duas latas de super 8 guardadas para o argumento ideal. Será que a cegueira é o principio da razão? Juntos, comemoramos o fim de hoje ou o começo do amanhã. Dizem que quando o gafanhoto pousa é sinal de esperança.

segunda-feira, outubro 06, 2008

Cimento Urbano

Toque: ato ou efeito de tocar; contacto; pancada; percussão; som; ato de tocar instrumentos; som que determina a execução de operações ou manobras militares; sabor ou cheiro especial de certos vinhos; vestígio; inspiração; esmero num trabalho artístico; aperto de mão como cumprimento; mancha que constitui indício de apodrecimento na fruta.


É triste. O tempo escoou esse nosso substantivo masculino. Não sei se saiu de moda, mas o certo é que cada vez mais estamos imbuídos em uma solidão urbana eterna. Vivemos no mundo embalado a vácuo. Não sei tocar, nem sei ser tocada. Parece estranho olhando de fora. Mas é mais normal do que se imagina. Enquanto a visão sobra no mercado, o tato desapareceu das prateleiras. Talvez seja culpa do medo em excesso. Toque, rasgos, mãos. O contato é sempre contagioso e muitas peles estão doentes.


Há algum tempo, olhando pelo espelho, descobri uma mancha cinza no meio das minhas costas. Era o começo dessa tal praga. De forma rápida, a mancha se espalhou pelo corpo e a pele ficou assim: coberta de cimento urbano. E não há chuva que consiga penetrar o concreto, a cara feia, o bico mimado. Somos cobertos de um egoísmo medroso que envergonha própria espécie. Fechada, mesmo com a fachada aberta, nos trancamos em ilusões momentâneas. E como se os toques não passassem de pequenos espasmos em corpos efêmeros e desconhecidos. Sozinhos, seguimos nos nossos carros poluentes pelas ruas largas da cidade planejada.
Será que esse era o plano? Uma cidade rodeada de monumentos brancos, tempo seco e espaço. Muito espaço. Brasília expande o espaço entre os corpos. É preciso sair, é preciso dançar, é preciso chegar perto. Ou você se força a fazer isso, ou amplitude te afoga. Temos que por o concreto disponível para ser martelado, mesmo que doa, sangre e rasgue. Se livrar dessa epidemia contemporânea. E tocar. Mas como tocar???


Som das palavras soltas. Saborear o gosto de uma erva dividida. Cheirar a visita efêmera da chuva. E principalmente dialogar com as mãos. Cuidar para que elas não esmaguem. Ou deixem escorrer. Arrancar a casca. A minha, a sua, a nossa. E se atirar de novo. E mais uma vez. E outra. E ter coragem. Ser Vinicius. Aceitar o vício. E abrir as pernas. E gritar de vez em quando. Essa é a minha tentativa poética de medicamento. Temos que agir rápido, porque a doença está se alastrando. Precisamos colorir essas peles acinzentadas. Eu ainda não sei remover a minha mancha. Nem dissolver o concreto. Mas acredito no poder das minhas mãos. E das suas também.