quinta-feira, junho 23, 2011

só hoje

de alguma forma, 
eu queria ser outra

2 comentários:

Papoético disse...

A Outra

No Acácia, Antero me aguarda; e que Antero estaria a me esperar, aquele do primeiro ou o do último olhar? Sim, pois se havia algo que sabia sobre ele era que nunca fora o mesmo, desde quando começamos. Quando começamos, ele se mostrou vário em sua presença, e isso me agradou profundamente. Era calmo na sua pressa pelo meu corpo, e convulso nos diálogos para tentar me convencer de que estava sossegado, ao esperar um gesto do meu carinho. Desse jeito, fui admirando seus esforços, porque, através deles, a ele eu me entregaria, mais tarde, sem esforço algum.

Até encontrá-lo, sabia que esse meu estar, esse meu permanecer sendo a mesma pessoa, sempre me fora fácil demais. Porém, ao conhecê-lo, me transformei em sua pupila, e fui me animando em ser outra, além de mim. Não imitar eu mesma acendia Antero. Como naquelas noites, em que ele me aparecia, sentava-se calado e, me ignorando, dormia febril. Ao acordar, como quem encontrasse um sorriso escondido num antigo quadro, Antero me surpreendia com outros olhos e eu a ele, já outra forma feminina. Poucas mulheres apreciariam ou entenderiam: Antero não me via, via outra. Por isso, a cada encontro me sentia nova, na tentativa de renascer de poses ancestrais, que se escondidas em seu olhar, tingiam-se em meus quadris, em meus ombros e cabelos, e até mesmo em meu sangue.

Ele me desdenhava, e isso era o que fazia de melhor. Seus olhos relando, não a mim, mas meu contorno, proporcionavam-me calafrios e prazeres que ninguém nunca soube ou tentou fazer. Outros, tão diferentes, olhavam-me sempre igual. Antero não. Antero me imaginava severamente. E cada detalhe que ele desenhava, com suas íris, afirmava que eu não poderia ser outra, senão aquela que ele avistava.

Se me aborrecia em ser uma ou outra, sumia uns dias. Ao retornar, cansada de ser eu mesma, Antero mirava meu corpo, intrigado, e ameaçava-me com um tapa que eu, fingindo surpresa, esquivava. Logo, tornava a olhá-lo e ele já me havia retirado a velha máscara. Eu, então, rebentava em novos aromas, novas peles, novos cabelos: nos olhos de Antero, renascidos por detrás da embaçada retina, havia convencimento e fruição para nós dois, e ainda insatisfeitos nos atirávamos um na moldura refeita do outro. E pintasse o quê pintasse, éramos telas nuas, nos amassando na idéia de tintas impuras, na viscosa matéria da qual fluíamos. Eu manchava-lhe as mãos e a boca, com minha aquarela fresca e selvagem. De joelhos, bestificado, ele me sorria, cerrando a mandíbula, dilacerando os próprios lábios, para me mostrar todos os dentes extraídos de qualquer juízo: éramos uma única pintura de natureza bárbara.

Mas eu e Antero não finalizávamos nada. Não permanecíamos no caos que nós mesmos nos propuséssemos e, então, nos evadíamos de toda arte, retornávamos aos rascunhos, examinando as formas ignóbeis da nossa realidade. Desprezávamos as paletas: éramos dois estranhos, representando cores batidas e irreconhecíveis. Eu levantava da cama e tentava me emoldurar dentro do espelho, que perplexo não sabia o que refletir: eu já não era nada. A cama renegava Antero, e ele, ao lado da mesa, sentava-se naquele móvel, que já sabemos o nome décor. O copo entre seus dedos pressentia e tilintava, abrindo a grande boca, para sua dose diária de fantasia. Em seguida, havia o gole seco, a bocarra vazia, e Antero calava-se; ambos abismados, sem sentido algum, apenas esperávamos o repetido inclinar-se da garrafa. E só nisso Antero era sempre o mesmo, e não igual aos outros, porque já não me olhava.

* Conto que estou terminando:
aturlitera.blospot.com

Papoético disse...

rsrsrsr: é aturlitera.blogspot.com
distrações (de)mente voadeira.