segunda-feira, novembro 29, 2010

De fato algumas pessoas possuem um verdadeiro reflexo de submissão, um medo irracional da liberdade, um masoquismo visível em toda parte da vida cotidiana. Com que amarga facilidade se abandona um desejo, uma paixão, a parte essencial de si. Com que passividade, com que inércia se aceita viver por uma coisa qualquer, agir por qualquer coisa, com a palavra "coisa" arrastando por toda parte seu peso morto. Uma vez que é difícil ser si mesmo, adbica-se o mais rápido possível, ao primeiro pretexto: o amor pelos filhos, pela leitura, pela alcachofra. Nosso desejo de cura apaga-se sob tal generalidade abstrata da doença. 

Raoul Vaneigem

domingo, novembro 28, 2010

terremoto, dragão e vertigem




Havia vomitado duas vezes. A cabeça doía. Meu sono estava comprometido pelo balanço das placas e pelo bafo do dragão. Um terremoto havia se instalado em minha morada. Disfarçado de verdade, ele destruía a ordem pré-estabelecida.


Fomos atingidos enquanto fazíamos amor. As palavras estavam espalhadas pelo escritório, o nosso cheiro peculiar fazia parte da mobília. E aos pés do ouvido, os sussurros tracejavam um futuro idealizado.

E de repente, aquele tremor.  Tive medo que a nossa casa, de bases flutuantes, encostasse o chão. Poderíamos sobreviver à realidade? Teríamos força para reconstruir os sonhos? Íamos consumir todas as possibilidades? Seriamos plenos e felizes? Ou morreríamos na próxima esquina?

Do outro lado do mundo, fomos descobertos. O dragão sabia que estávamos vivos. Que existíamos. Que estávamos intimamente ligados. Ele destelhava o nosso cativeiro e rasgava as minhas esperanças. Era preciso aceitar aquele fato. O que faríamos agora, desprovidos de esconderijo?

Quando não tomamos decisões, encaminhamos para que a vida as tome. Durante 21 meses, de maneira submersa, tínhamos atitudes destemidas. Escancarávamos o amor proibido em cada canto visitado. Éramos ingênuos e inconseqüentes. Não nos preocupávamos com abalos sísmicos ou com descobertas de dragão.

Agora, o terremoto havia arremessado o corpo do meu comparsa pra longe. Eu esperava notícias, enquanto as suposições pipocavam. Estaria ferido? Teria força para optar? Conseguiria sobreviver a mudanças?  Ou ficaria no mesmo lugar? Ele seria mais feliz ali, com o seu dragão e sem mim?


Eu limpava o céu, enquanto ele negociava. Ordenava os novos fatos. Organizava os quereres. Desenhava as necessidades de um amor impuro. Eu doava o espaço para que eles decidissem a rota da minha pequena vida.
  

sábado, novembro 20, 2010

terça-feira, novembro 16, 2010


Durante a separação:
ele ficou com a classe, ela com copo.

Sobre pára-brisas e borboletas

Havia borboletas na estrada. Brancas, amarelas e pretas. Elas voavam em bandos, felizes.  De certa forma, as inocentes damas traziam um pouco de poesia para minha viagem.  Eu, sentada no banco do passageiro, as observava.

Nadavam na direção contrária. Atiravam-se no pára-brisa do taxi. Uma seqüência de acidentes letais. Todas as borboletas eram atropeladas na minha frente. Suas asas quebradas enfeitavam o vidro e impacto rompia o silêncio. 

A cada acelerada do motor, mais tragédia. O motorista parecia não se importar com tamanha crueldade. Cantava uma música sertaneja. Puxava assunto com os passageiros do banco de trás, enquanto eu chorava escondida atrás dos meus óculos pretos.

Você estava na minha cabeça. Talvez por isso a importância do massacre das borboletas. Nós estávamos em lados opostos. O caminho escolhido despedaçava qualquer desejo de sobrevivência.  De repente, as minhas esperanças eram aqueles pequenos insetos coloridos. E você, um imenso pára-brisa.

O choque era inevitável. A mesma borboleta que alegrava a estrada me matava no instante seguinte. Esparramada naquele táxi no interior do Acre, cercada de pasto por todos os lados, assistia uma guerra não declarada. Você e teus quereres. Eu e as minhas borboletas.

quarta-feira, novembro 10, 2010

" você está olhando nesse instante para outra mulher, está entrando nela, dizendo a ela como ela é gostosa, você está me matando dentro de você, e eu morro quilômetros de distância, a sós comigo mesma, você transa com outra e me mata, você goza e me mata mais um pouco, você dorme e me deixa insone para sempre, eu sei que não vai ser pra sempre, mas eu não enxergo o dia de amanhã, hoje eu só estou acordada pro eterno desse pesadelo, você era meu, droga, exclusivamente meu até dias atrás, meu como esse sofrimento." 

Martha Medeiros - livro Fora de Mim