Tinha um segredo, uma espécie de jardim escondido no meio do cinza-urbano. Um pedaço que só pertencia a ela. Havia sido invadido em um momento aquoso, enquanto voltava pra casa num dia qualquer à tarde. Desde sua descoberta, visitava o local quando queria esquecer ou lembrar.
Parou o carro no acostamento, e sozinha subiu os degraus daquele enorme escorredor de águas que aos teus olhos mais parecia uma escada inca. Ela costumava ver tudo que a cercava de um ângulo diferente. Adicionava texturas, cores, sabores raros. Como se assim, a vida se tornasse um pouco mais interessante. Gostava de voar dentro de uma bolha de sabão prestes a estourar. E quantas vezes seriam necessárias as tais explosões? Se rasgar e costurar incansavelmente como uma aranha que tece sua teia durante a chuva.
Sentiu o gosto do sorvete antes dividido, depois o cheiro da erva. Recordou alguns entardeceres e foi lambida pelas antigas mãos daqueles passageiros. Doava poesias corpóreas para amores instantâneos. Abria pernas e peito na busca de preencher algo que faltava. Faltava ou sobrava? Já não sabia direito o que se escondia dentro dos enormes olhos de ameixa enquanto subia sua escada.
Nos últimos três degraus, não havia mais lágrimas nos olhos. Todas aquelas luzes que desenhavam o infinito abraçavam a sua dor. Podia ver a ventania que varria seus pequeninos problemas para longe. Enfim, o centro do mundo. Pouco importava as cicatrizes agora. Estava além da ponte que cortava a cidade.
Lá embaixo, os carros corriam a procura de uma felicidade inexistente. Ela sabia que era inútil continuar seguindo a mesma estrada para lugar nenhum e quis parar ali mesmo. Podia dar um fim para o constante vazio. Colorir o asfalto de vermelho. Se dissolver sobre o concreto que a cercava. Mas isso seria bem clichê. Preferia imaginar a sua morte de uma forma mais passional e menos egoísta, com direito a choros, gritos e beijos de despedida.
Abriu a bolsa, caçou o chocolate e esperou ele derreter sobre a boca. Imaginou um jazz sussurrado sobre teu ouvido. Deitou na grama, levou a mão direita até a boca, e passou o dedo indicador sobre os lábios. Devagar escorregou a sua mão sobre nunca, desenhou algo sobre os ossinhos dos ombros. Seguiu a dança até o seu seio direito, preenchendo a tua mão de vontade. Era cedo demais pra partir.
3 comentários:
Um sorriso! lindo!
E ela chegou no final da escada e se liquefez e virou água. Bonito e molhado.
colorir o asfalto de vermelho.
cara, tou quase desistindo o projeto vida-tempo pra entrar nesse com vc. tenho algumas imagens e dá pra fazer mais, com vc.
vc estará em bsb quando?
dia 15 de janeiro ou após?
o que acha de eu arranjar a gravação (sua, sua voz, pq tem que ser intenso e seu) do take 2 na produtora ozi (onde faço meu curso de edição não linear)?
posso arranjar isso, quase certo. se não der lá, eu me viro pra comprar uma mesa de som com uma entrada e a gente faz no nuendo.
enfim, se divirta, volte e conversemos.
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