Me atirei sem certeza a uma cama gigante, aparentemente confortável. Aparentemente. Uma cama que já visito há algum tempo, mas que meu corpo não consegue se adaptar. A cama que visito, quando quero me ferir. Sempre a mesma. Uma cama baixa, perto de uma janela grande, de fora a fora. Uma janela daquelas que dá vontade de se jogar, sabe? A cama sempre está meio bagunçada, dando uma impressão de ter sido usada há pouco tempo. Ela é enorme e de uma tonalidade marrom tabaco. Um edredom preto que sempre está amarrotado.
Lembro da primeira vez que a conheci: Eu estava ansiosa, apaixonada e meus pés foram deslizando levemente até ela. Tudo começou com uma dança leve. Mas no meio, a musica acabou. “Desculpa...Mas é que...Eu tô achando tudo isso superficial... Eu nunca fiz isso, quer dizer, não dessa forma... Eu não consigo.”— disse em meios de lagrimas. Levantei dela assustada, peguei as outras partes de mim que estavam espalhadas pelo quarto e segui decepcionada. Eu não tinha conseguido deitar naquela cama mesmo querendo tanto, mesmo sendo tão moderna.
Segundo encontro com a cama demorou muito. Dormiram pessoas entre nos duas. Mas a minha curiosidade, quase infantil, ainda persistia naqueles lençóis brancos. Um dia, não, uma noite. Eu fui até o seu encontro. Trance no meu ouvido, tudo rápido e alucinante. Mas no meio, a musica acabou. “Desculpa... Mas é que... Eu queria muito... Eu não consigo.”. Dessa vez ela falava para mim, se desculpava por não conseguir me cobrir com os seus macios lençóis. Recolhi como de costume, as minhas ilusões e voltei para casa.
Depois veio o terceiro, quarto, milésimo encontro. Quando eu queria me machucar corria para o seu colchão. Ou quando já estava machucada. Ou quando ela estava carente. Ou quando o desejo nos visitava. Os lençóis da cama me agarravam de uma maneira que quando eu via estava lá, descoberta. A gente se divertia muito disputando quem tinha mais poder nessa relação. Quem conseguia sair ileso daquilo tudo. E ela sempre representou melhor esse papel que eu.
Mas apesar de bêbada de sono, eu não conseguia dormir com ela. Não me adaptava: os abraços, o corpo colado, a mistura do desconforto com o desejo. Vontade de empurrar aquele corpo longe, sair do vazio. Do meu vazio. Eu sempre acordava no meio daquilo tudo e fugia.“ Pô, dorme comigo a noite toda?”- Ela sussurrava no meu ouvido tentando me puxar de novo. Eu respondia sempre com um sorriso falso, como tudo que estava ao nosso redor e seguia o meu caminho despedaçado... Jurava nunca mais me deitar por ali...
Ontem eu a encontrei num samba. Sorrimos, dançamos, bebemos e conversamos sobre a nossa relação. E acabei sendo levada, ou fingindo ser, mais uma vez para os seus lençóis... Dormi lá. Cobri o meu incomodo com o desejo. Uma entrega. Podia dar certo enfim! Tantas vezes eu fugindo no meio da noite, como seria adormecer com ela? Sim, dormi sobre ela! Mas fui acordada com o pedido de que eu deveria me retirasse logo da sua maciez. Que eu devia me descobrir dos seus lençóis e seguisse o meu antigo rumo. Ela venceu de novo. Eu, esqueci minha ilusão no seu travesseiro
Um comentário:
Belo texto... porém triste.
Pq nos fazem sentir assim?
Conheço bem meu sorriso falso.
bjo, Jac
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