domingo, novembro 30, 2008

Instantâneo (s. m. / adj ): rápido; súbito; que sucede num instante; momentâneo; fotografia com tempo de exposição muito reduzido.


Tira de Lucas Tonon Gehre
Sempre gostei dessa palavra. Acho forte, expressiva. Como se num passe de mágica, a gente pudesse mudar o nosso mundo. Um estalar de dedos e tudo se transforma: o choro vira riso, o estranho vira amigo, o amigo vira amor. Tudo isso de uma forma simples, efêmera, instantânea. A arte de se por disponível para o imprevisível. Sem amarras, sem correntes. E o que é a vida senão um instante? Esse que está se escorrendo pelos seus dedos nesse exato momento. O instante que tenta te abraçar, enquanto você foge por ter medo de cair. Essa dúvida que impede que a vida dance um tango colado com você. Hedonismo, diriam os intelectuais. Pecadores, a igreja. Porra Louca, minha mãe.

É lógico que falar de instantes é bem mais simples do que aceitar que a vida é feita deles. Não é fácil pra ninguém perceber que nesse planeta, o eterno é momento presente, o curso das águas não é você quem dá e os planos não passam de tempo perdido. Sim, eu estou exagerando mesmo. Mas se pararmos pra pensar, esse meu exagero está pautado na verdade. É triste, mas não mandamos em nada por aqui.

As vezes, passo meses planejando coisas que se dissolvem em segundos: viagens adiadas, amores perdidos, companhia trocada. Lembro de um carnaval antigo. A folia estava combinada com a Anita há meses de antecedência. Dias ansiosos, passagens compradas e pedras incontáveis na vesícula. A pobre Anita teve que ser operada uma semana antes do dia previsto para a orgia. E lá, estava eu, sozinha no galeão. E nesse mesmo carnaval, apareceu a Mila na minha vida. A Mila é irmã louca da Anita. Ela tinha acabado de chegar ao Rio e não conhecia ninguém, apareceu lá em casa pra tomar um chá e já foi convidada para morar. Simples e instantâneo. Como a vida deve ser. Uma amiga operada, uma amiga encontrada.

Tudo bem que se todos levassem a serio a eternidade do instante, o mundo estaria perdido. Nesse momento, por exemplo, provavelmente ninguém estaria trabalhando. Estaríamos todos enlouquecidos em uma praia ou em uma festa qualquer. Amores brotariam de forma rápida, sem tempo pra joguinhos ou máscaras. O medo do futuro seria substituído pelo prazer do eterno. E os antidepressivos sumiriam das farmácias. Como íamos organizar tanta felicidade? Será que a gente conseguiria viver em liberdade? E o poder de compra? E poder de venda? E a toda as regras que nos cerca?

Como uma boa pisciana, eu ia achar maravilhoso. Se o caos é a ordem natural das coisas, pra que passar tanto tempo tentando organizar? A vida vai encaixando tudo direitinho sem precisar de mãos adjacentes. Sei que mudar esse mundo é impossível, mas porque não mudar o seu mundo? Viver o presente. (Des)esperar. Morrer de amor. Tem coisa melhor? Nem adianta querer me enganar, eu tenho certeza que o instantâneo tem gosto de sorvete e não de miojo.

quarta-feira, novembro 26, 2008

República Ideal


Foi num lugar fora do tempo que escutei o rugido sussurrado me indicando esse blog. Um fino leonino disse que quando eu visse a tal página, eu iria pirar. Dito e feito. Aquela saudosa juba estava certíssima. O blog indicado é uma espécie de manual básico de contracultura moderna. É daqueles lugares que a gente encontra tudo que é escondido: bons CDs, Livros, Imagens e textos excelentes!

Discussão sobre trabalho, mídia, alucinógenos, arte de rua, jazz, imperialismo americano, consumismo, desigualdade social... enfim, um mix de tudo que a gente se interessa em um só lugar! Nome do blog é República de Fiume e se define como um refúgio de boêmios, artistas, piratas e anarquistas no século XX.

Ele tem como base a historia de um poeta que conquista uma cidade (Fiume) e estrutura a sua constituição baseada na idéia da música ser a única força de organização social. Bem, imaginem um lugar governado por um poeta, boêmio e músico! O site conta que toda manhã, o tal “governante” lia poesia e manifestos. A noite era regada de concertos, seguido por fogos de artifício e muito vinho. Nisso se resumia toda a atividade do governo. Parece ser maravilhoso, não?

República de Fiume tem um ar de carpedien moderno que instiga qualquer mortal. Fora que é muito bom ter a oportunidade de em um só lugar sair bem informado, baixar um cd fino e ainda ver um stencil maravilhoso.

Além do que o blog tem vários links interessantes. Cada página tem cerca de 100 postagens, e você ainda pode baixar os livros no e-books. Dá fuçar a vontade! República de Fiume não é só uma página na internet, mas sim a tentativa de manter nossos olhos acordados e relembrar que a liberdade é necessária.

Degustem a vontade:



Ps 1 – Não esqueça de entrar nos arquivos do Blog que estão localizados perto do título. Lá é que se encontram as melhores coisas do espaço.

Ps 2 – Os livros para baixar também estão perto do título num link chamado E-Books.




...inVENTO paixões...




tirinha usurpada do Lucas Gehre

terça-feira, novembro 25, 2008

Take 1


(...) pingou a ultima gota do teu perfume favorito entre seios e beijou o espelho de uma forma egoísta antes de sair do banheiro. Vestido preto balonê de tafetá, cabelos cuidadosamente bagunçados. Nos olhos, a mistura borrada exata entre rímel e as noites mal dormidas. Tinha um visual desgastado encantador. Parecia à beira de um abismo mesmo quando sorria. A dor que impregnava sua pele a tornava ainda mais bonita. O que seria da mulher sem uma dor? Passou pela sala, desligou o som que tocava a mesma música de ontem. Caçou inutilmente a chave do carro. Revirou algumas bolsas, encontrou 10 reais e colocou em sua carteira vazia. Talvez fosse a hora de buscar um emprego fixo. Tomou um gole no gargalo da garrafa de Vodka e assaltou a chave-reserva em cima da estante. Desceu a escada apressada, entrou no carro bagunçado e acendeu um cigarro como companhia. Sugou e assoprou com as mesmas ilusões banais. Lembrou de alguém que já devia ter esquecido. Errou duas vezes o caminho antes de chegar ao lugar marcado. Teve ódio de si mesma. Suspirou fundo, olhou para frente e voltou a dirigir de forma descuidada pelas ruas largas. (...)

terça-feira, novembro 18, 2008

segunda-feira, novembro 17, 2008

domingo, novembro 16, 2008

Urano conjunção Sol

Quando ele chegar, me cobrirei de verdades provisórias e terei asas nos pés cansados. Serei abraçada pela coragem da ventania. Cortarei todos os meus pêlos crescidos. Esses que diariamente pensam sobre a minha cabeça alada e me impedem de partir pra longe. Meus fios serão transformados em saudosas lembranças. E livre de posses, marcarei peles. Dançarei um tango sobre a neve fresca da Terra do Fogo ao entardecer. Grávida de mim, aquário imenso, vou lamber o sêmen doce do meu acaso. Correr solta com o vento, atrás de cura para as lágrimas secas. Vou me perder num beijo do planeta difuso. Eu, submersa e incontínua. Serei apenas letra exposta sobre o teto estrelado do mundo, quando Urano chegar.





Urano Conjunção Sol - do final de abril 2009 até meados de dezembro 2010.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Apetitosa Cordilheira

Ontem acabei de devorar a Cordilheira do Daniel Galera. Tinha comprado o livro na sexta, mas só comecei a ler no domingo. Tenho uma relação estranha com os livros, assim como os amores, gosto de ler tudo de uma vez só, sem pausas e nem respirações. Não consigo ficar guardando os capítulos para o dia seguinte. Quero sugar tudo que aquelas páginas podem me dar em segundos. Só leio um livro se for assim. Tenho que ter uma paixão instantânea por ele já primeiras paginas, senão eu paro. E costumo ser fiel aos meus autores favoritos. Quando gosto do primeiro, vou ler todos os outros publicados. Foi assim que me apaixonei por Daniel Galera.

O primeiro que li foi Até o dia que meu cão morreu em julho desse ano. Graças uma matéria numa antiga bravo na casa da minha prima, conheci o autor contemporâneo, considerado uma grande revelação literária.  Fantástico e simples ao mesmo tempo, a escrita de Galera tem um que de Caio Fernando Abreu, só que mais atual. Ele rega o romance com uma espécie de solidão urbana que está presente em toda a nossa geração. A falta de toque, o medo de se relacionar, o desencanto perante tudo. Me identifiquei como se fosse eu a narradora daqueles relatos do homem entediado em seu apartamento.  Esse foi o meu primeiro beijo nas palavras do moço.

Agora, meu segundo encontro: Cordilheira. O romance tem como trama inicial a estória de uma escritora que não gosta do seu único livro e quer largar tudo para engravidar. Como o término de um relacionamento, ela foge para Buenos Areis onde suas letras vão ser lançadas. Até ai tudo bem: brigas de casal e fugas emocionais. Mas como traçar uma discussão central da vida de toda mulher contemporânea sendo homem ?

Somos criadas para sermos independentes, estáveis e adiar sempre o incomodo de uma gravidez. Ter um filho hoje é sinônimo de maluquices em quase todas as reuniões femininas. É maravilhoso ver a defesa de protagonista sobre o desejo de ser mãe. Faz a gente repensar escolhas e o que é vendido por ai como ideal feminino contemporâneo. E o mais incrivel é ler tudo isso através da voz grave de um homem que narra o universo feminino com uma intimidade impressionante.

Mas isso não é tudo. Galera também nos questiona sobre a apetitosa discussão entre o real e o imaginado. Até quanto do escritor tem no personagem escrito? Fiquei horas pensando sobre isso quando acabei o livro. Sou personagem de todas as minhas letras. Mesmo supervalorizando coisas, criando outras, tudo faz parte de mim. Não dá pra dissociar o artista da obra realizada por ele. Somos criadores e criaturas. Isso é abordado de uma maneira surpreendente no livro que não convém ser contado aqui.

Cordilheira fala de amor entre indivíduos, sonhos e literatura. Não tem como passar batido por ele. Isso aqui é mais que uma indicação, é um presente para as bocas devoradoras de livros.

Segue o vídeo sobre o livro, trecho e mini conversa com autor para dar mais vontade de ler:



segunda-feira, novembro 10, 2008

Sou vestida de morte ao amanhecer. Parece que tudo sobra mim. Mistura estranha e mal encaixada esse meu pequeno quebra-cabeça. Há restos por todos os lados. Os atos de nascer e morrer se excedem sobre os meus poros cansados. Lágrimas que caem são eternas. Como se esse rasgo nunca parasse de sangrar. Dói ser assim, ser um excesso de duvida, ser o instante perdido, ser amor inventado. Como algo estranho e efêmero pode me mover? Os ventos batem além das janelas. Eles correm um mundo bem maior que eu. E a minha pele é sempre recheada de posses. Sou muitas, sou além

sexta-feira, novembro 07, 2008

Sobre frasco e perfumes


Sempre tive um lado estranho que me fazia pensar sobre embalagens. Não que eu fosse publicitária ou coisa desse tipo. Mas um bom frasquinho me enchia os olhos. Eu gostava de embalagens transadas, bem desenhadas e principalmente diferentes. Uma espécie de pessoa viciada pelo belo. É lógico que não espalhava isso aos quatro cantos do mundo, mesmo porque esse era um motivo que muitas vezes me cobria de vergonha. Era conquistada por curvas e cores, pelo conjunto de traços harmônicos e pela forma perfeita que embriagava os olhos. Há uma futilidade implícita nas pessoas que amam embalagens.

Quando Vinicius pregou que a beleza era fundamental, certamente recebeu um bocado de críticas hipócritas. Como não se estremecer perto de uma obra de arte? Quem não gosta do belo que atire a primeira pedra. É importante deixar claro aqui que a beleza é um ponto de vista, e assim como todas as coisas relativas do mundo, ela é extremamente paradoxal. Cada um tem as suas taras e seus padrões estéticos. De corpos tatuados a cabelos loiros escovados, a única coisa certa é que o belo é essencial para o nosso mundo feio.

Embalagens servem para guardar recheios, frascos guardam perfumes e corpos são recheados de alma. Não há nada mais decepcionante do que uma propaganda enganosa. É triste ver um design perfeito embalar algo estragado e de má qualidade. Quantas vezes nos deparamos com a confusão entre frascos e perfumes? Já escutei absurdos sobre a minha imagem transmitida aos desconhecidos. Como se o meu frasco não combinasse com o verdadeiro perfume. Tenho certeza que isso gera um conflito entre consumidor e consumido, porque é difícil comer gengibre quando se espera chocolate.

O improvável vendido numa embalagem estranha também tem a sua mágica. Pode ser maravilhoso o fato de ser surpreendido. Pessoas surpresas. Mesmo contra a propaganda enganosa, tenho certeza que muitos já se deliciaram com um frasco que não deram muita importância. É como comer açaí, no começo parece feio, mas depois você experimenta e percebe que é delicioso, que a cor é bonita, que a consistência é gostosa, que é uma obra de arte.

A realidade é que as embalagens são jogadas fora depois da refeição e o que permanece é o gosto do recheio na nossa boca. Frascos são quebrados e os perfumes exalam sobre o corpo cansado. É a essência se mostra como o fator decisivo no final das contas. Mas como conhecê-la quando na maioria das vezes estamos vidrados nas embalagens?

“A profundidade também se encontra na superfície”- essa é a dúbia frase que ouvi de um amigo artista plástico a respeito do tema. Ele me explicou que os nossos frascos são uma tentativa de mostrar a todos o que somos ou o queremos ser, então não podemos dissociar frascos de perfumes. Somos também a imagem projetada, querendo ou não. O teu belo está ai, exposto para quem quer ver, no seu frasquinho íntimo.

Por isso, sem grilos ou hipocrisia, abocanhe o design ideal para os teus olhos e experimente com cuidado. Veja se o recheio te apetece, se o gosto é do agrado. Em caso de indigestão, devolva logo para prateleira. Há sempre novos olhos atentos e embalagens recriadas nessa feira.

sábado, novembro 01, 2008

Sobre poemas e cicatrizes

Ambos temos uma cicatriz no joelho direito. Não que sejamos companheiros, longe disso, eu mal o conheço. Algumas letras, a fama imunda e o desejo latente. Esse foi o resumo apresentado do poeta. Lógico que ainda há o cheiro característico de boemia, a prepotência intrigante de escritor, o mistério dos olhos pretos. Mas o que mais me fascina não é o frasco, nem o perfume. É a tal cicatriz. Uma espécie de rabisco que marca um tombo ou uma queda específica daquele outro corpo dolorido. A quelóide exposta de uma saudade antiga e amarga. Ele tem um desenho parecido com o meu que cobre o seu joelho direito inteiro. É isso que me enche de vontade. Queria mergulhar naquela ferida semi-aberta para conhecer o que ele esconde atrás da pele. Qual é dor que o faz tão interessante? Meu espelho distorcido que apareceu face a face nos últimos dias. Ele faz questão de encostar a sua pele sobre a minha. Sempre há um pedaço que lambe suavemente outra parte qualquer. Mesmo sem nenhuma intimidade, os olhares se cruzam. É um toque de cotovelo que esquenta o meu corpo. Ou uma música que enche os meus olhos. E ainda há um imã que me arrasta para a sua cicatriz. Espero um próximo passo que nunca chegava. Ficamos na superfície. Um jogo esdrúxulo se estala sobre as nossas almas. Preciso criar rimas, superlotar o querer, aquecer em banho-maria. Podia apressar o tempo ou improvisar um beijo, mas prefiro ficar com a dúvida certa daqueles olhos. É como se eles escondessem algo tão profundo que eu nem mesmo saberei como tocar. Deliciosamente imaturo dentro de uma casca intelectualizada, o homem da cicatriz. Meu joelho tenta correr para a sua poesia aos domingos. Acredito que palavras são remédios. E a cada rima, recebo uma cura. Todas as marcas podem ser apagadas, menos aquelas que vão nos unir. Nossos joelhos cortados enchem a minha cabeça de imagens cruas. E entre essas duas pequenas cicatrizes, eu peço que a vida volte a sangrar.