terça-feira, maio 31, 2011

Publicar um livro é se despedir das poesias usadas.

casa nova



Preferia palavras particulares. Expor delicadamente a nuance de algo escondido. Espécie de exibicionismo velado. Uma fresta para visitantes anônimos. Pequeno instante de descoberta. Meu quarto foi cenário. O coração, tema. Eu tinha uma necessidade umbilical de me manter nesse lugar seguro. Mas agora percebo que preciso atravessar a porta entreaberta. Encarar Brasília de frente, enxergar as letras que estão espalhadas pela cidade e dançar no meio da rua. Devo pichar novos muros pra que os transeuntes absorvam a minha poesia. Tornar público o que era particular. Fazer parte da cidade da mesma forma que ela faz parte de mim. É preciso entender a importância de caminhar nessas calçadas. De definir pontos turísticos particulares. De aceitar a cidade como casa. Devo me atirar, definitivamente. 

quinta-feira, maio 26, 2011

Olhar de novo


É engraçado. Gravei as imagens desse vídeo ano passado. Uma experimentação. Improvisação com selos, espera imbuída. Pensei que as imagens seriam perdidas, já que não foram usadas para a construção do espetáculo da época. Mas agora, com o Poéticas Urbanas, surgiu a oportunidade de trabalhar com esse auto-vídeo. É interessante saber que podemos olhar de novo para algo que já considerávamos perdido. Como se o trabalho estivesse ali, adormecido, apenas esperando a sua vez de entrar em cena. Um amor que se guarda para depois. Pra quando houver coragem, pra quando puder ser inteiro.


Em Brasília, a amplitude afoga.

sexta-feira, maio 20, 2011

...

Andei três quadras. Era começo da noite. A cidade me pertencia. Eu não tinha pressa. Os carros passavam. Muitos carros. Pequenas prisões cotidianas. Eu caminhava. Olhava o concreto, as flores, o vento. A calçada estava vazia. Ao lado, pessoas corriam no parque. Pela  grade, eu imaginava que essas mesmas pessoas chegaram naquele lugar com os seus carros  e, provavelmente elas jamais tivessem experimentado o ato de atravessar quadras. Cortar todos os quadrados. Entender a sua amplitude, as árvores tortas. Para elas, apenas o parque. Como se só ali fosse o lugar apropriado o verbo caminhar. Do apartamento para o carro, do carro para trabalho, do trabalho pro carro, do carro pro apartamento. Com direito a uma pequena pausa para exercitar as pernas no parque. Naquele momento, eu caminhava sozinha na rua. Espécie de contravenção escancarada. Os pés marginais insistentes. Quantos passos eu já tinha dado naquelas quadras? Fotografias no fim da Asa Norte. Um passado bem aproveitado. Amigos perdidos. No meu peito existia o desejo de transformar o desvio em um novo hábito. Os meus passos coloriam a cidade. Queria pintar o Plano Piloto. Desligar o carro. Ir na padaria à pé. Aquela sensação de felicidade explícita. De reencontrar o seu lugar no mundo. Enquanto eu caminhava, Brasília sorria. 

feliz

terça-feira, maio 10, 2011

Coletivo Poro


Prefiro acreditar que o acaso não existe. Que tudo que vem pra minha mão tem um sentido especial. É uma visão romântica, poética e imatura. Mas funciona e faz todo o sentido pra mim. Eu valorizo os instantes de desvio. Tento deixar os meus olhos abertos e atentos para transformar as insignificâncias em poesias. Simples, efêmero, suspenso. É dessa forma que eu interfiro na minha cidade.

Foi uma amiga que me apresentou o Coletivo Poro. Disse que parecia com o trabalho da Andaime, com a nossa forma de pensar o mundo. Já num primeiro contato, percebi que havia visto algumas fotos das ações desse coletivo na internet, mesmo sem saber a referência. Fotos anônimas em sites de contracultura. Navegando pelo coletivo, encontrei o documentário. Fiquei encantada. O trabalho é de uma gentileza extrema com a cidade, com o outro e todas as poéticas do cotidiano.

Eu assava uma pizza em frente ao congresso. Apresentávamos Serpentes Que Fumam. Nossa ação dramática era montar uma pizzaria nos jardins do congresso. Forno a lenha, ingredientes e avental. Com a mão na massa, conheci o elogio de Marcelo Terça-nada. O agradecimento pelo instante de desvio, pela poesia doada em Brasília. O moço sorridente me revelou que também participava do Festival Fora Do Eixo, me entregou o trabalho “Perca Tempo”. E disse o nome do coletivo: Poro.

Fiquei emocionada. Feliz. Desconcertada. De repente, todas as ações faziam ainda mais sentido. O diálogo com a cidade, as performances, os stencils espalhados, as poesias nesse blog. É maravilhoso se deparar com poetas revolucionários. Hoje, terminei o livro “Intervalos, respiro, pequenos deslocamentos – ações poéticas do poro. Eu aconselho, recomendo, defendo e prego. Não só eu, o Le Monde também.

Delicie com tempo!

segunda-feira, maio 09, 2011

...


Deveria parar de se preocupar com possíveis visitas. Entender que não há nada de tão especial nessa estória clichê. Gritar no meio da rua, dentro do carro, no banho, no divã, na cama com um pau desconhecido. Deveria gritar até que a voz acabasse. Até dizer: chega. Até que as lágrimas parecem de escorrer. Deveria beber a garrafa inteira de conhaque, subir na mesa do Beirute e cantar Roberto Carlos. Escrever um livro para esgotar o que ainda resta de dor. Vender os detalhes sórdidos, as atitudes desonestas. Vomitar a mágoa que ele introduziu delicadamente no seu peito. Rasgar todas as cartas ridículas, deletar as fotos que não foram impressas, quebrar todos os presentes que restaram. Deveria matá-lo da forma mais dolorosa possível, enterrar o corpo com o desprezo necessário e depois dançar a sua liberdade em cima do caixão .   

domingo, maio 08, 2011

"Prometo a mim mesmo nunca mais ouvir, nunca mais ter a ti tão mentirosamente próximo, e escapo brusco para que percebas que mal suporto a tua presença, veneno, veneno, às vezes digo coisas ácidas e de alguma forma quero te fazer compreender que não é assim, que tenho um medo cada vez maior do que vou sentindo em todos esses meses, e não se soluciona. (...) te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque é assim que és e unicamente assim é que me queres e me utilizas todos os dias, e nos usamos honestamente assim, eu digerindo faminto o que teu corpo rejeita, bebendo teu mágico veneno porco que me ilumina e me anoitece a cada dia, e passo a passo afundo nesse charco que não sei se é o grande conhecimento de nós ou o imenso engano de ti e de mim, nos afastamos depois cautelosos ao entardecer, e na solidão de cada um sei que tecemos lentos nossa próxima mentira."

Caio F. - trecho do conto À Beira do Mar Aberto 

quinta-feira, maio 05, 2011

...morte.

O profundo silêncio que se escuta. Eco de liberdade. Fios de cabelo no chão. Quantos cairão até o final do último parágrafo? Eu celebro o ato de descamar diariamente. Um pedaço de pele. Um pedaço de unha. Um pedaço de palavra. Esfrego a minha senhora, enquanto tomo banho. Retiro o cheiro dela, disfarço o gosto, camuflo o medo.  Eu entrego, sem objeções, o meu império. Os pés dançam sob o abismo velado a espera diária por uma solução eficaz. Eu bebo a minha eternidade no café da manhã. Assopro as certezas para longe. Peço para que em breve, não haja mais chão. Nem buracos. Nem padrões. O meu tempo deve ser todo consumido. Me despeço enquanto apago as memórias deixadas. Intercessões, alegrias, dores, marcas, as cicatrizes e afins. Os pormenores serão abortados. Até que tudo vire ausência. E o acaso me transforme em lembrança.