quarta-feira, outubro 31, 2007

O Gato


O GATO- 2006- [Acetato, nanquim e ponta seca] feito pelo artista O Silva



Lá estava eu, deitada na sua cama: Entreaberta para você.
Fazia poses de 5, 10, 15 minutos... E esperava que teu corpo desenhasse figuras abstratas sobre a minha pele. Ou quem sabe, um gato de nanquim sobre as minhas costas? Um gato desenhado com as suas unhas secas.

Mas a sua cama estava vazia de você... Eu até tentava, com a minha mão esquerda, puxar o que restava de ti: o cheiro, suor, cabelos e as suas segundas intenções. Eu queria ser a tua tela em branco. Você não estava na sua cama.

Você tinha lançado vôo para algum outro dormitório longe dali. Talvez tivesse saído para comprar tintas novas... ou comida para o gato que devia ter sido pintado sobre o meu corpo.

Enquanto isso, a espera dançava em na sua cama. Aquela cama vazia, com o lençol que continuava branco e sem pedaços de você. Eu, deitada, sem os meus desenhos e com uma esperança tola.

Esperança de um dia, virar ponta seca e furar o teu corpo, a tua cama e matar esse gato imaginário que grita nas noites de calor.

domingo, outubro 21, 2007

Prazo de Validade


Sabia que ia ser rápido, afinal você era daqueles amores perecíveis. Tipo orgânico: alto e tesudo. O ultimo pedaço do bolo de chocolate. Esses que devem ser consumidos logo que se abre a embalagem, porque senão vem outra e come. Eu comecei pelas beiradas, lambendo a cobertura com gosto. Devorando aos poucos, sem muita pressa e saboreando tua boca carnuda. Parte por parte, da minha refeição favorita: homens como você. Acho que foram umas 7 ou 8 mordidas em noites espaçadas, ou seja, pouco tempo pra ficar de barriga cheia. Talvez tenha sido esse o meu problema, o meu enorme apetite.Quis te comer aos poucos, um pedaço por dia. Mas o teu prazo de validade era curto. Muito curto. Você gosta de ser devorado por bocas diferentes diariamente, já eu gosto sempre do mesmo prato. Então foi isso, um dia, virei para o lado, e outro gato já tava comendo o meu pedaço de bolo.

Minhas Fugitivas




Sou acostumada a caminhar despercebida por um certo jardim azulado. Ele é um daqueles jardins que são regados pela ambigüidade e pela loucura. Um jardim de Alice, onde tudo pode mudar em segundos. Permeado por subidas e decidas rápidas, e quedas quase instantâneas, eu sigo patinando naquela imensidão. Às vezes me questiono porque esse jardim é assim, tão anil... Talvez seja pelo excesso de lagrimas. Ou pela falta de razão. Por que por mais coloridas que sejam aquelas flores, há sempre um tom azulado que insiste em destoar na minha caminhada? E eu vivo seguindo por esse jardim. Encontro flores bonitas, mas fugitivas, no azul. Elas gostam de rir e acariciar suas pétalas sobre as minhas pernas, enquanto me cantam musicas antigas. Mas basta, eu tentar pegar uma delas em minha mão, pra que rapidamente elas corram pra o outro lado. Quando eu vejo, elas já mudaram de rotas e de visitante. Simples. Quase cotidiano. São as minhas flores fugitivas. Que passam de mão em mão. As vezes tenho raiva, ódio, inveja dessas florzinhas malditas! Tenho vontade de arrancá-las uma vez por todas do meu caminho. Matar uma a uma. Florzinha, por Florzinha. Cometer um Florescídio! Não ia sobrar flor nenhuma no meu jardim! Apenas aquele céu anil que me embebeda. Mas o problema é que eu nasci assim, apaixonada por fugitivas. Sou dada à beleza e a forma efêmera que elas dançam enroscando seus caules com meu corpo cansado. E quando raiva passa, o perfume das flores ficam sobre a minha pele. Elas gostam de envenenar o meu coração. A suavidade presente nas flores são disfarces para mastigar e destruir os visitantes desavisados, como eu. Por isso, em cada nova caminhada pelo o meu jardim azulado, tento tampar o nariz e fechar os olhos, para não perder o foco. É preciso andar na ponta dos pés e fugir das fugitivas. Aprender a conviver com o medo de acabar assim, sem a beleza da primavera.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Um cálice sujo na beira da mesa

Restos de vinhos jogados pelo chão... E eu sobrando no cálice, esperando tua mão. Sei que estou com uma rachadura e com muitas marcas passadas ... Ando assim, desajeitada, calada, encostada na beira da mesa. Olho de mansinho pra baixo, morrendo de vontade de pular. Pular no seu pescoço, te amarrar na minha vida , te deixar sem saida. Eu, um cálice transparente, sujo de vinho tinto no fundo. Estou esquecida na beira da mesa. E você boceja alto, se entrega a um sono profundo e manda uma mensagem qualquer para uma outra mulher. Suja de cíumes na beira da mesa. Sei que pulo não tem volta, que ele só pode ser dado uma vez. Mesmo assim me atiro, e começo a voar devagar. Não para o seu pescoço, pois esse já foi embora à francesa, mas para um chão de tacos imundos. Lá estou eu, em mil pedaços! Laquinhas de vidro pra todo o lado! Quebra-cabeça de mim mesma. Fiz um estrago, um som maravilhoso e agora, apenas espero seus aplausos sobre a minha queda-livre. Quem sabe assim, em forma de mosaico, eu chame a sua atenção? Vai, junta os meus pedaços. Pedaços sujos de vinho e cíume. Tenta me remontar. Ou então, pega uma lasca, a mais afiada, e me leva contigo. Para noites de solidão, você me ter como arma branca nas tuas mãos...

terça-feira, outubro 02, 2007

Choques instantâneos de realidade.

para ler escutando o cd “Outra Estação” do Legião Urbana

Meus choques instantâneos de realidade aparecem de repente, assim, sem mais nem menos. Mesmo sem nenhum convite, eles insistem em bater na minha porta. Às vezes na hora do almoço, no despertar de um sonho bobo ou dentro de uma lona de circo empoeirada. Eles chegam por todos os lados, são seguidores astutos. Costumam se entrelaçar no meio de uma noite suja qualquer, depois de algumas doses a mais ou ervas a menos . E se aproximam devagar, chegam de mansinho, como se fossem bichos que arrastam em direção a minha loucura. Eles tentam sugar o equilíbrio que conquistei as duras penas. Querem se apoderar do meu corpo, beijar a minha boca, fazer amor com a minha razão. Os choques de realidade são muitos, e dão medo. Tento escapar bebendo mais um copo, escorando em alguém que está do lado, dando uma risada sem graça. Tudo desnecessário. Eles continuam querendo entrar. E é logo em mim, que tenho os olhos cansados de ver o real. Ando inebriada na minha loucura, na fuga necessária, na minha incompatibilidade com o mundo. Eu, ser inapto. Desses que anda rindo desesperadamente pelos bares, na corrida por algo efêmero como o amor. Quero sair desse lugar frio, impuro e sujeito a esses choques de realidade. Preciso correr pra longe, um lugar que a vida não é apenas... e sim, poesia amanhecida na beira do lago.
* texto feito em 30.09.07